Em minha trajetória nesses anos todos em eventos, era muito difícil encontrar outro tipo de profissional freelancer que não seguissem o padrão imposto: mulher alta, magra, com cabelão, simpática, bonita, charmosa e com boa postura. Ou seja, encontrar eventos inclusivos tempos atrás era bem difícil.
Depois de um certo tempo, começaram a permitir a contratação de profissionais masculinos, mas os padrões impostos continuavam…
Nos últimos 10 anos, a seleção ficou mais flexível, dando oportunidade a vários perfis. E a palavra chave para contratação era: preciso de profissional proativo, que funcione, e não apenas que funcione como uma vitrine.
Tenho um cliente que certa vez comentou comigo que nos eventos médicos dos EUA e Europa, há profissionais de “cabelos brancos”, fazendo parte da equipe, e que a desenvoltura, boa vontade e proatividade deles impressionava.
Quando fiz meu MBA, em Gestão de Eventos, finalizei com um trabalho sobre Ações Sustentáveis em Eventos Médicos. Ele foi muito enriquecedor, mas isso é assunto para outra matéria.
Voltando, para esse trabalho do MBA, eu pesquisei sobre pessoas com deficiências que trabalhavam em eventos inclusivos.
Buscando profissionais e eventos inclusivos
Na minha busca, encontrei uma fotógrafa que realiza fotos de moda ou lançamentos de produtos, e suas modelos são sempre pessoas com deficiência.
Minha pesquisa foi infinita, ainda hoje descubro novidades, mas abriu essa janela para mim e para a organização dos eventos que participo. Então pensei: vamos trabalhar com esses profissionais, é possível inseri-los em qualquer tipo de evento!
Comecei a verificar quais eventos tinham esses profissionais. Visitava os eventos e observava a desenvoltura deles, a reação dos participantes, a experiência inserida. E definitivamente não é uma questão de preenchimento de cota, é uma questão de oportunidade.
Recentemente, contratei para um evento uma menina com Síndrome de Down, para trabalhar no credenciamento do evento.
Veja abaixo o relato da Laura, que com ajuda da sua mãe Olivia, me respondeu como é a sua experiência de trabalhar em eventos:
“Eu entrei na área de eventos através do grupo AME – Atendentes Muito Especiais, projeto fundado por pais de um jovem com Síndrome de Down, que trabalhavam com eventos. Foi através deste projeto que tive a primeira oportunidade de fazer eventos. Meu primeiro evento foi em novembro de 2017, no Anhembi.
A minha relação com o restante da equipe é uma relação de acolhimento e respeito, todos sempre muito carinhosos, respeitando o meu trabalho e se importando com o meu bem-estar.
Depois da minha experiência do Salão do Automóvel 2018, que foi muito boa, várias portas foram abertas, e agora tenho trabalho todas as semanas.
Geralmente sou escalada para ficar na recepção, credenciamento, entrega de material e orientação geral. Uso tablet e outros meios eletrônicos para fazer a liberação da entrada do pessoal nos eventos.
A relação dos participantes de um evento com meu atendimento é sempre uma experiência diferente. As pessoas se surpreendem de forma positiva, chegam sérios e quando me veem, abrem um sorriso, são simpáticos e sempre elogiam.”
Foto da Laura trabalhando durante o Salão do Automóvel
Perguntei pra Laura: o que acha que falta para melhorar essa oportunidade de trabalho?
Laura – “Falta acreditar que as pessoas com Síndrome de Down têm capacidade igual aos demais, que possamos ser chamadas para um evento comum, e não somente na condição de preencher uma cota.
E para a execução do trabalho em si, falta explicar de maneira mais adequada sobre o que é o evento e as tarefas que ele contempla para assim poder fazer o trabalho com mais qualidade.”
Pedi para ela relatar uma ação marcante que aconteceu em algum evento que trabalhou
Laura – “Ter uma pessoa com Síndrome de Down em eventos mostra principalmente aos pais e familiares que seus filhos terão uma oportunidade futura e estão sendo vistos e tendo oportunidade. Que a condição da deficiência não é um limitador para uma vida plena de experiências e convívio com todos.
Para ilustrar o relato acima, compartilho uma das histórias que ocorreu no Salão do Automóvel.
Uma mãe chegou com uma bebê também com Síndrome de Down, e ao me ver, se surpreendeu positivamente. Me abraçou e começou a chorar, dizendo que estava vendo ali que a filha dela teria uma chance real no futuro de estar incluída nesta sociedade que por muitas vezes é tão cruel com as pessoas que possuem algum tipo de deficiência.”
Eventos inclusivos geram novas oportunidades
Agora, o relato da Rose, que após um acidente automotivo, usa cadeira de rodas, e relatou suas experiências como profissional com deficiência em eventos.
“Iniciei nos eventos após um tempo do meu acidente. Primeiro comecei participando em alguns desfiles de Moda Inclusiva e então foi surgindo alguns convites para trabalhar com eventos.
Minha relação com o resto da equipe é excelente, de muita interação, de trabalho coletivo, um ajudando o outro para que o evento aconteça com êxito.
Infelizmente, pra mim, é um trabalho esporádico. Não há tanta oportunidade com eventos inclusivos como eu gostaria. Quando sou contratada, normalmente faço recepção, mas depende da solicitação do cliente.
Minha relação com os participantes no evento é muito positiva. Eles acham que é uma ótima iniciativa e vem me parabenizar. Geralmente perguntam por qual empresa estou trabalhando e falam que todas as empresas deveriam ter mais inclusão e que dá uma boa imagem para as empresas, que dão essa oportunidade. Muitos agradecem pela atenção e pelo meu trabalho.
Acho que para melhorar e surgir mais oportunidade de trabalho em eventos, as empresas não deveriam selecionar apenas para demonstrar que nas suas empresas existe inclusão ou para ter uma boa visibilidade, e sim porque trabalhamos bem, somos capazes e fazemos nosso melhor.
Num evento que tem mais 500 promotores, se você observar, muitas vezes nenhum é cadeirante ou tem algum tipo de deficiência. Isso deveria mudar.”
Foto da Rose durante um dos eventos que trabalhou
Pedi para ela relatar uma ação marcante que aconteceu em algum evento que trabalhou
Rose – “Uma situação que aconteceu comigo foi que, trabalhando no evento, lembro que ajudei um senhor que queria chegar num local que não estava encontrando. Eu estava no meu intervalo de pausa, retornando para meu posto, e ele me pediu ajuda e eu pedi pra ele me acompanhar. Levei ele até o local desejando.
Ele ficou todo grato. Uma semana após, estava no hospital das clínicas e esse homem me viu e veio falar comigo muito atencioso e eu fiquei sem graça, pois achei que não o conhecia, achei que ele estava me confundindo com alguma outra pessoa.
Ele explicou que me conheceu no evento a uma semana atrás e que havia ajudado. Falou que minha disponibilidade e boa vontade em auxiliá-lo e a maneira simpática como lhe atendi o comoveu e o marcou.
Foi muito gratificante ouvir seu relato. Indo embora, pensei: em qualquer circunstância, faça seu melhor, mesmo quando ninguém esteja vendo, sempre faça seu melhor com carinho e amor.”
Hoje, sempre faço eventos inclusivos inserindo esses profissionais nas atividades. Asseguro que tenham uma experiência enriquecedora. Que seja um trabalho memorável para ambos os lados!
Graduada em Pedagogia, com MBA em Gestão de Eventos e Professora Universitária do curso de pós-graduação da Universidade Anhembi / Morumbi
– SP. Atua na área há 25 anos, e em sua jornada realizou inúmeros trabalhos, entre eles estão, convenções, stands, congressos, lançamento de produtos, eventos temáticos, corporativos e sociais. Sua Agência – QG Produções, já completou 10 anos.